Naquele tempo, os publicanos e pecadores aproximaram‐se de Jesus para o escutar. Os fariseus e os escribas, porém, murmuravam contra ele: “Este homem acolhe os pecadores e come com eles”. Então, ele contou‐lhes esta parábola: «Um homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá‐me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada e começou a passar necessidade. Dessa forma, colocou‐se a serviço de um dos habitantes daquela região, que o mandou para seu campo a cuidar dos porcos. Queria saciar‐se daquilo que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada.
Então, caiu em si e disse: “Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura e eu, aqui, morrendo de fome. Vou voltar para meu pai e dizer‐lhe: “ Pai, pequei contra o céu e contra ti, não sou digno de ser chamado teu filho. Trata‐me como um de teus empregados”. Levantouse e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o viu, teve compaixão, correu ao seu encontro, abraçou‐o e cobriu‐o de beijos. O filho, então, lhe disse: “Pai, pequei contra o céu e contra ti; não sou digno de ser chamado teu filho”. Mas o pai disse aos servos: “Depressa, trazei a melhor túnica para vestir meu filho, colocai‐lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai‐o para comermos e festejarmos. Pois este meu filho estava morto e tornou a viver, estava perdido, e foi encontrado”. E começaram a festejar. …
APRENDAMOS A ESTAR MAL
Uma das maiores graças da vida cristã consiste em perceber quando a vida não vai bem. Normalmente se faz essa descoberta quando tudo está indo por água abaixo, de maneira sutil e surda, quase imperceptível. É aderrocada silenciosa! O filho menor da parábola lucana percebe que as coisas não vão bem: olha o alimento que tem entre as mãos. Grãos para os porcos. Assim, a sua mente faz uma operação de repescagem das coisas autênticas: na casa do pai se comia bem, e como. Até os empregados
eram tratados como senhores. Aqueles grãos para os porcos abriram os olhos do filho rebelde. Foram como “luzes” para ele ver a miséria do coração, e “palavras” para ouvir o anúncio de uma possibilidade. Estar mal é uma coisa boa. Fazer de conta que se está bem é atitude demoníaca. Não entendemos, aqui, o ‘estar mal’ de quem está sempre mal, para fazer estar mal os outros, da vítima consciente que se torna um carrasco.
Entendamos aquilo que sentiu o filho da parábola: estou mal porque me tornei um escravizado, porque vendi a minha dignidade para sobreviver em tempo de carestia; deixei um pai e encontrei um patrão; parti filho eme tornei escravo. Começando a dizer‐se que foi reduzido assim, por suas próprias mãos. Quem dera começassem a se levantar e caminhar para a própria dignidade de filhos e herdeiros. Na parábola de Lucas, voltar‐se para si mesmo e voltar ao Pai são movimentos coincidentes: O Pai é a minha dignidade, voltar para ele quer dizer, automaticamente, deixar‐se abraçar pelo autêntico segredo da existência pessoal. Porém, há um mal‐estar produtivo e um improdutivo.
Aprendamos a estar mal ‘bem’, sem ilusões ou adiamentos; firmemo‐nos, não adiemos esta tomada de consciência com a desculpa dos muitos empenhos apostólicos. Tiremos do coração aquele mal‐estar danoso e inútil, feito de rancores, de ciúmes, de expectativas irreais. Aprendamos a dizer a Deus: “estou mal longe de mim e de ti, dá‐me tua mão”. Aprendamos a dizer aos irmãos e irmãs: “alguma coisa não vai bem. Escuta‐me”. Aprendamos a estar mal ‘bem’, com esperança e humildade. Abramos os olhos aos sinais indicadores da escravidão ‘imperceptível’, invisível; inclinemonos sobre o campo do nosso coração e contemos os grãos dos porcos. É uma conta que compensa. É a garantia da pessoa.