Estar conectado não significa ser comunidade

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Não há dúvida que a globalização encolheu o mundo e permitiu um crescimento exponencial dos intercâmbios culturais. O compartilhamento que as redes sociais rapidamente facilitam, construindo uma percepção de proximidade, pode ser tão solidário quanto cínico. De fato, as mídias sociais são o reino da ilusão e da bulimia informativa em rede, que somente o uso fundamentado e racional pode transformar em possibilidade real. J. D. Bolter, nos recorda que “a nossa cultura mediática é extraordinariamente rica e, na sua plenitude, completamente acrítica. Contém uma infinidade de lixo, mas também uma grande quantidade de coisas interessantes”.

Na atual cultura digital está ocorrendo uma espécie de inversão em relação a um passado não muito distante: há poucas décadas, a atitude que orientava o nosso comportamento era a discrição e a reserva, e o temor de ser observado tornava-se uma espécie de pesadelo; hoje, fazemos tudo para ser vistos, observados, pois tememos ser abandonados, ignorados, negados, excluídos. Basta pensar a lógica e a dinâmica que regem a construção dos perfis de influenciadores. O Papa Francisco recorda-nos isso na Encíclica Fratelli tutti ao afirmar que “se por um lado, crescem as atitudes fechadas e intolerantes que, em face aos outros, nos fecham em nós mesmos, por outro se reduzem ou desaparecem as distancias, a ponto de deixar de existir o direito à intimidade.

Tudo se torna uma espécie de espetáculo que pode ser espiado, observado, e a vida acaba exposta a um constante controle. Na comunicação digital, quer-se mostrar tudo, e cada indivíduo torna-se objeto de olhares que esquadrinham, desnudam e divulgam, muitas vezes anonimamente. O respeito pelos outros se esvai e, assim, ao mesmo tempo em que apago, ignoro e mantenho afastado, posso despudoradamente invadir até o mais recôndito da sua vida” (42).

Fica claro, portanto, que estar conectado ainda não significa ser comunidade.

Somos, pois, chamados a apropriar-nos da relacionalidade pessoal em presença, porque “a conversação direta, face a face – lembra a socióloga Sherry Turkle – leva a uma maior autoestima e melhora a capacidade de tratar os outros. Mais uma vez, a conversação é a cura”. Bastaria relembrar as palavras da semióloga Isabella Pezzini, quando, em 2020, escrevia: “O corpo em situação fala tanto quanto o intelecto: o espaço é o lugar desse discurso e a estrutura a sua gramática, enquanto o distanciamento impacta a comunicação e a compreensão mútua. A proximidade é o lugar da comunicação do conhecimento tácito, intersubjetivo e não codificado. Estar juntos, e em contato próximo, pode produzir efeitos de clã e de solidariedade, também gerar inovação”.

A comunicação, portanto mudou: tornou-se fria, privando-se da manifestação dos elementos não verbais que também orientam a percepção do sentido da comunicação verbal propriamente dita.

De fato, a dimensão social é constituída também por um intercâmbio de elementos corporais como o odor e o contato físico que uma comunicação mediática ou, como se diz, “a distância” não pode oferecer. Isso ficou evidente naquilo que hoje é chamado de “Dad”, ou didática a distância. Neste caso devemos lembrar-nos de que o ensino não é apenas uma questão de conhecimento, mas também de contato e de contágio – intelectual e emocional – recíproco. Nessa dimensão, o intercâmbio de humores, do qual derivam também o humorismo e a alegria, são gerados os “corpos sociais”: a classe, o time, a equipe, etc., como também o movimento, o partido, a Nação. É por isso que o Papa Francisco afirma que é necessário “encontrar a linguagem correta…”. O contato é a verdadeira linguagem comunicativa e afetiva que transmitiu a cura ao leproso. Quanta cura pode-se realizar e transmitir com a linguagem do contato!.

Somos hoje obcecados pelas redes sociais tanto quanto ontem pela TV. As redes sociais nos gratificam porque, pelo menos idealmente, pensamos de podermos ser interlocutores do mundo inteiro, imaginamos ter acesso às personalidades mais importantes e aos círculos mais exclusivos. Porém, se não nos deixarmos anestesiar pela gratificação, descobriremos a pesada carga ilusória presente no mundo das redes sociais.

O Papa na carta encíclica Fratelli Tutti convida a todos e a cada um de nós a “desmascarar as várias formas de manipular, distorcer e ocultar a verdade na esfera pública e privada. Aquilo que chamamos “verdade” não é somente a comunicação de fatos operada pelo jornalismo. É, sobretudo a procura dos fundamentos mais sólidos que estão à base de nossas escolhas e de nossas leis.

Isso implica aceitar que a inteligência humana pode ir além das conveniências do momento e apreender algumas verdades que não mudas, que eram verdades antes de nós e o serão sempre. Ao investigar a natureza humana, a razão descobre valores que são universais, porque dela derivam”.

Reitera-se, portanto, a força e a necessidade de uma inteligência honesta, livre de dominadores, que saiba distinguir na plenitude da cultura mediática, conforme diz Jay David Bolter, o que é lixo e o que é, ao invés, interessante.

Em outras palavras, estar conectado não significa necessariamente ter maior desempenho. Pelo contrário!

Dom Dario Edoardo Viganò
Vice-Chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e das Ciências Sociais

* Para aprofundar: L’illusione di un mondo interconnesso.
Relazioni sociali e nuove tecnologie, Mons. Dario Edoardo Viganò, Edizioni Dehoniane, Bologna, 2022.


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