Ir. Lorenzina Guidetti

Com olhar de Profeta

Facebooktwitterredditpinterestlinkedinmail

 

Com olhar de Profeta

As duas Filhas de São Paulo que visitavam as famílias de minha cidade, para a difusão da boa imprensa, fizeram à minha mãe uma pergunta simples, espontânea, apenas para começar a conversa: «Minha senhora, quantos filhos tem?». «Quatro», respondeu mamãe. «Estou preparando um pequeno enxoval para uma das meninas que vai para Correggio (Reggio Emilia) estudar para ser professora». «Senhora, em nossa Casa Mãe de Alba, nós também temos meninas que estudam para ser professoras » «De verdade!?» acrescentou mamãe. «E quanto se paga na casa de vocês?». Veja, pagase menos que em Correggio, onde estava destinada a ir a minha filha. Então, mando-a com vocês, que a educarão e a farão estudar bem».

Com a pesquisa do pároco, o interesse das irmãs e o consentimento da mãe, no mês de janeiro de 1931 eu já estava em Alba, acompanhada de minha mãe. Logo pela manhã, nos dirigimos à praça São Paulo, procurando abrir o portão do Templo que domina a praça. E então, apresentou-se-nos uma visão que não podemos esquecer. Uma igreja grande, grande, cheia de padres; alguns nos bancos e outros celebravam no altar central, e outros nos altares laterais, muitos clérigos de batina, muitos rapazes e muitas irmãs que rezavam… Muitas vezes e por muitos anos, minha mãe me relembrou a emoção daquela manhã.

Antes do anoitecer, minha mãe já tinha viajado, e eu admitida como estudante, no grupo das “Imaculatinas”.

Tinha 12 anos, e no próximo 23 de julho de 2013, completo 94 anos. Difícil contar tudo e difícil lembrar para mim mesma. É muito tempo. Tempo demais. Tentarei contar alguma coisa. Fazer uma breve parada sobre os momentos mais significativos.

O que havia em Alba em 1931? Não havia nada e, ao mesmo tempo, já havia tudo (em germe) se observado com olhar de profeta. Havia a Casa, o Templo, a comunidade, a oração, o estudo, a escola, o apostolado: tipografia, acabamento, livraria, expedição, bibliotecas ambulantes. Havia os livros impressos e brochurados, feitos em comum com a Sociedade São Paulo. Havia as revistas: Unione Cooperatori, Buona Stampa (1918), Vita Pastorale (1912), o folheto litúrgico: La Domenica, Madre di Dio (1924). Já havia as primeiras Casas filiais: Salerno, Bari, Udine, Reggio Emilia, Genova, Palermo (1929). Ouviam-se os incontáveis comentários pelas notícias que circulavam e davam como certa a partida para o Brasil (1931)…

Em Alba vivi os anos da formação e tudo decorreu na normalidade, na graduação, dando tempo ao tempo, respeitando o ritmo do desenvolvimento e aceitando a lógica do crescimento. Entre intervalos de oração, de estudo, de aula, de trabalho na tipografia, de alegres e festivas recreações. As partidas de vôlei… que paixão!

Tudo me agradava (apesar dos dissabores da comida, da disciplina e a falta da minha família…). Dentro de mim, gradativa e serenamente ia crescendo a vontade de fazer aquilo que faziam as irmãs: anunciar o Evangelho, tornar Jesus conhecido, ir em missão em lugares longínquos. Aquelas palavras escritas em tamanho grande, sobre cartolinas e afixadas na Casa: «Glória a Deus e paz aos homens», não me atingiam apenas o olhar, mas faziam um caminho no coração.

O Primeiro Mestre e a Primeira Mestra estavam conosco. Estavam conosco como a alma de tudo e guias da família que se encaminhava a passos decisivos para um futuro de santidade e de graça. Deles, naqueles anos, não me lembro de encontros paticulares, pessoais.

O meu primeiro encontro com a Primeira Mestra Tecla aconteceu na primavera de 1935, em Alba. Na minha pupila, agora quase fechada, ficou impressa sua imagem: bonita, acolhedora, um olhar que não se esquece jamais…

Depois da vestição do hábito religioso, começaram, para mim, as experiências apostólicas. O meu campo específico de apostolado foi a redação. A intenção era preparar-nos para os ciências sagradas; estudos queridos e organizados pelo Primeiro Mestre e que eu tive a graça de frequentar. Desses estudos fala-se com entusiasmo e espanto na história das Filhas de São Paulo. Os professores eram sacerdotes paulinos, com qualificação especial. O próprio Primeiro Mestre ensinava teologia moral.

No final dos estudos, na confirmação de que estávamos prontas para a redação, todas devíamos apresentar uma prova escrita, destinada a ser impressa. Eu preparei o livro Cartas escolhidas, de São Francisco de Sales. Mandei o manuscrito ao Primeiro Mestre que o devolveu com um bilhete de poucas linhas: «E agora, não deixar a caneta de lado». Na verdade, a caneta usei-a menos do previsto, por longos períodos.

Uma iniciativa que me ocupou uma dezena de anos, ou mais, com o coração feliz, foram as “Festas do Evangelho”, os “Dias do Evangelho”, em colaboração com as irmãs das filiais, que assumiam toda a fadiga da organização. Eu me fazia presente com palestras, encontros, reflexões com grupos. Isso era uma ideia magnífica para anunciar Jesus Cristo Mestre, Caminho, Verdade e Vida. Uma ideia que desejaria fosse viva hoje, organizada e atualizada.

No Natal de 1955, saiu o número zero da revista COSI, editada pelas Filhas de São Paulo. Meses antes o Primeiro Mestre me havia chamado e disse-me para rezar, pensar e preparar-me para começar uma revista para jovens. Eu seria a diretora responsável. Esta história merece ser, especialmente, contada. Uma história inédita, interessante, longa. Uma reflexão: COSI fechou. Sua publicação terminou, mas permaneceu viva e atual a visão do Fundador. Ele vê as Filhas de São Paulo lá, no coração da comunicação, na dinâmica atualizada da publicação.

A história da minha vida seria míope e desfocada, fragmentada, se não a deixasse permear pela presença da Primeira Mestra Tecla, ícone de beleza e de bondade. Eu não apenas vi a Primeira Mestra, não somente a cumprimentei e escutei… Vivi com ela quase trinta anos: em Alba de 1931 a 1936, e depois em Roma de 1938 a 1962. Eu a quis muito bem. E ela me quis muito bem. Entre as recordações, algum privilégio que me enche o coração de alegria e de saudade.

Tive o privilégio inestimável de acompanhar a Primeira Mestra em duas viagens: à Inglaterra e à Índia. Admirei o afeto materno que a Primeira Mestra demonstrava para cada irmã, a solicitude para o bem-estar da comunidade, o interesse pelas várias iniciativas de apostolado e o modo concreto de inserir-se nas diversas Igrejas locais. Alimentava a esperança e reascendia o entusiasmo, por todos os lugares onde andava. Para mim, tanto na Inglaterra como na Índia, dirigia a recomendação: «Mostrem muitas coisas para Lorenzina, pois lhe serve para o apostolado». «Assim, eu tinha ocasião de ver tantas coisas lindas, desde a manhã até à noite. Ela passava o dia em casa, dedicada totalmente à comunidade e atendendo pessoalmente a cada irmã. A viagem para a Índia com a Primeira Mestra Tecla teve prosseguimentos não programados. De fato, quando em 1962 deixei a direção do COSI, deixei também Roma. A Primeira Mestra ao dar-me a notícia, disse-me «Mando-te para um lugar onde percebi que te querem bem. Mando-te para a Índia, em Bombay». A partida de Roma aconteceu logo. Ao terminar o visto temporário a Primeira Mestra escreveu, logo, para a Mestra Elena Ramondetti, superiora provincial, que seria do seu desejo que eu, enquanto esperava reentrar na Índia, fosse num outro País, em outra casa nossa no Oriente. Foi esse desejo da Primeira Mestra que me levou às Filipinas, a Borneo, ao Japão, à Coreia.

Inesquecivel, e enriquecedora, dom e surpresa foi a minha permanência nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Austrália. Precisaria de um capítulo para cada lugar onde estive. Está escrito no coração maravilhado e agradecido. Visitei mundos novos, cidades desconhecidas, culturas diferentes. Conheci, sobretudo, tantas Filhas de São Paulo, das quais se ouve apenas falar. Na realidade, é preciso ver onde vivem, o que fazem, como se entregam com fé, coragem e com entusiasmo à causa do Evangelho.

Voltando à Itália com uma boa bagagem de experiências, coloquei-as em confronto com as experiências de duas comunidades das quais fui superiora. Alba e Roma (Via Antonino Pio). Duas comunidades grandes, vivazes que, apesar das dificuldades e dos problemas, sabem edificar, ser criativas, manter-se de olhos abertos, numa atitude de quem está preparado a “lançar-se para frente”.

Numa conversa com irmã Filippina Busso, repassando as lembranças comuns, de improviso, com olhos luminosos e voz límpida, irmã Filippina exclamou: «Que vida bonita nós tivemos!». Sim, Filippina, a mesma coisa digo eu para você. Que vida bonita nós tivemos, numa Família admirável. Admirável é fazer parte dela!

Ir. Lorenzina GuidettiItalia

Allegati